10 janeiro 2009

Igreja e Política - Parte 2

O “Comunismo do Amor” na comunidade primitiva

(...) Permanece aberta à questão se a partilha cristã primitiva dos bens, descrita por Ernest Troeltsch como “comunismo do amor”: Seria simplesmente uma invenção idealística de Lucas, como a crítica radical sustenta; ou tem alguma base na história? (...)

(...) O filósofo ateu Ernst Bloch confiou mais no comunismo da comunidade primitiva em Jerusalém do que a chamada crítica radical: (...)

1. Ele baseia a partilha dos bens na forte influência que o escathon tinha sobre eles: após as aparições do Cristo ressuscitado, e esperavam que Ele voltasse logo como Senhor. (...)


2. Bloch salienta o caráter espontâneo e voluntário deste “comunismo do amor”. Não era organizado nem sujeito à compulsão externa. O fato decisivo era a koinonia e não a organização. (...)

3. Bloch corretamente se refere à pregação de Jesus com sua crítica ao “injusto maoon” e a avareza. A mensagem de Jesus e sua filosofia de vida permanecem lembradas e seria incompreensível se não continuassem a exercer alguma influência. Assim, a igreja primitiva em Jerusalém estava simplesmente continuando a atitude livre de Jesus em relação aos bens deste mundo. Em face da iminência da vinda do Filho do Homem, identificado como Jesus, a barreira das propriedades, mais um poder a separar os homens no milênio, tinha sido ultrapassada: tudo o que o indivíduo tinha era livremente colocado a disposição da comunidade , para uso quando necessário. (...) Uma comunidade carismato-entusiástica se formou e reuniu-se para o culto diário; refeições comuns eram tomadas; (...) o Senhor estava perto e Ele manteve o povo despreocupado. (...) As necessidades diárias das comunidades eram satisfeitas pela venda de propriedades dos que tinham recursos; as distinções sociais foram virtualmente abolidas e não havia mais pobres na comunidade (At 4:34). Outros chegaram a colocar suas casas à disposição da comunidade para lugares de encontro, como Maria, a mãe de João Marcos (At 12:12). Ninguém se preocupava com questões legais acerca de propriedade, escrituras, etc. As coisas deste século tinham se tornado inessenciais. A organização foi reduzida ao mínimo e, diante da ardente expectação da volta de Jesus, até o planejamento esteve completamente ausente. Como resultado, dificuldades na distribuição surgiram, especialmente quando a comunidade cresceu. No livro de Atos dos apóstolos (6:1) relata como as “viúvas” de fala grega da comunidade foram negligenciadas na distribuição diária e como disputas resultaram como conseqüência. Em face da ansiosa espera da comunidade no fim iminente e do entusiasmo surgido com a experiência do espírito, as pessoas não tinham interesse na produção econômica organizada em linhas comunitárias, como entre os essênios de Qumram. A pressão do ambiente judaico e a fome sob Cláudio durante os anos 40 (At 2:28) também contribuíram para o revés econômico considerável sofrido pela comunidade de Jerusalém. Consequentemente, a comunidade de Antioquia – e provavelmente outras igrejas da missão também – teve que lhe socorrer. As coletas mandadas a Paulo e a Barnabé no Concílio Apostólico de Jerusalém (cerca de 48 A.D.) e que Paulo tinha particularmente solicitado das comunidades da missão devem ser compreendidas a partir desses dados. Por duas vezes ele chama a comunidade original em Jerusalém de “a pobre” (Gl 2:10; Rm 15:26). De um lado é um título religioso de honra, mas ao mesmo tempo indica as dificuldades econômicas desta comunidade. Os cristãos judeus na Palestina e na Síria que tinha se separado da igreja-mãe logo se chamaram de “ebionitas”, ou seja, “a pobre”.

*Martin Hengel. Property and riches in carly Church. Philadelphia, Fortress, 1974. pp. 31-34.