29 agosto 2008

Mulher, onde estão aqueles teus acusadores?



A história de Shelley Lubben


Shelley Lubben nasceu em 1968 e cresceu no Sul da Califórnia. Era a mais velha de três irmãos, tendo uma personalidade forte a que ela chamava de “personalidade impetuosa.”

Durante os primeiros oito anos da vida de Shelley, a sua família ia a uma igreja evangélica. Numa entrevista ela disse: “Quando era criança, conheci e amava muito a Jesus.”

Contudo, quando fez nove anos as coisas mudaram muito para Shelley e a sua família. Eles foram para uma pequena cidade, tendo deixado tudo o que Shelley tinha conhecido e amado.

Os meus pais deixaram de ir à igreja e a nossa família afastou-se de Deus”, disse Shelley.

Ao crescer, Shelley sentia-se diferente das outras crianças.

De criança alegre a prostituta. Após sofrer violência sexual, aos 9 anos, Shelley teve sua vida transformada - para pior.

“Eu era muito criativa, e escrevia poesia e pequenas histórias desde muito novinha. Os meus pais não me envolveram em atividades extra-curriculares e a maior parte do tempo sentia-me muito entediada e frustrada”, disse ela. A minha professora do primeiro ano reparou na criatividade que havia em mim e disse à minha mãe que estava maravilhada comigo. Ela cria que eu me tornaria numa atriz de Hollywood ou numa realizadora de cinema.”


PROCURANDO AMOR SÓ EM LUGARES ERRADOS

Havia também outras coisas que eram diferentes com Shelley, segundo a própria.

“Eu também era peculiar no fato de que comecei a masturbar-me, e a ter tendências sexuais numa idade muito nova. Eu fui introduzida à sexualidade por uma garota e o irmão dela, adolescente, quando tinha nove anos de idade, e desde então tive vários encontros sexuais tanto com meninas como com rapazes antes dos 18 anos. O sexo tornou-se para mim confuso. O sexo para mim significava ‘amor’, pois sentia-me bem ao receber atenção, mas ao mesmo tempo sentia-me suja.”

Quando adolescente, Shelley buscou amor nos rapazes e afundou-se no álcool e no sexo com a idade de 16 anos. Os seus anos de adolescência foram cheios de constante reclamação e discussão.

Ela disse, “Tive uma mãe que se irava comigo a maior parte do tempo, e um pai que parecia demasiado ocupado para se relacionar comigo, a não ser gritar comigo por falar nas costas da minha mãe. Eu comecei a beber álcool e a usar drogas com a idade de 16 anos. Os meus pais tentaram aconselhamento familiar, mas o meu pai estava demasiado ‘ocupado’ e só participou uma vez. Por fim, como sua última façanha, pediram-me para me ir embora de casa quando fiz 18 anos”.

Shelley acabou por ir parar a San Fernando Valley sem dinheiro nem comida.

“Um homem ‘gentil’ viu que eu estava angustiada e disse-me quão pesaroso estava, oferecendo-se para me ‘ajudar’,” disse Shelley. “Tudo o que eu tinha de fazer era ter sexo com um amigo seu, dando-me dinheiro por isso. Eu estava tão indignada por os meus pais me terem expulso de casa que não me preocupei com nada, por isso aceitei a oferta. Vendi-me por US$35, começando assim uma vida de prostituição”.

A vida de Shelley entrou numa espiral descontrolada.

"Em pouco tempo encontrei uma senhora que me introduziu na faceta ‘encantadora’ da prostituição”, disse Shelley. “No princípio pareceu sensacional, mas esta vida depressa se converteu em escravatura. Passei a ter sexo bizarro com estranhos e comecei a odiá-lo. O meu estilo de vida estava a tornar-se cada vez pior, e sentia-me como não tendo para onde me voltar. Jesus continuava a bater à porta do meu coração, mas eu ignorava-o.

O ciclo vicioso de Shelley ao trabalhar como prostituta e dançarina exótica na Califórnia do Sul durou oito anos. Ao trabalhar como prostituta engravidou, tendo tido assim a sua primeira filha, Tiffany, com a idade de 20 anos. Ela tentou recuar e fazer apenas dança exótica, mas disse que foi muito difícil resistir à prostituição.

Depois de alguns anos como mãe solteira e de trabalhar como prostituta e dançarina, Shelley começou a beber exageradamente tendo desenvolvido uma terrível dependência do álcool e das drogas.

Shelley disse, “A Tiffany cresceu como uma triste menina negligenciada, e a inocência dela foi muitas vezes violada. Quando ela cresceu apercebeu-se que eu era ‘visitada’ por homens estranhos, e ficou zangada comigo. Eu comecei então a ver-me como um completo fracasso.”

À medida que a jornada dolorosa de Shelley progredia, ela envolveu-se na indústria de filmes para adultos. Descobriu que era uma forma de realizar dinheiro fácil, “ e era mais ‘lícito’ do que a prostituição.”

Shelley disse, “Comecei a fazer muitos filmes hardcore, e só as drogas e o álcool me permitiam fazê-los. Era como se eu tivesse algo para provar ao mundo e a todos os que me tinham magoado. E quando a indústria porno abriu-me os seus enormes braços e me convidou para a sua família, encontrei finalmente aceitação.”

Porém o preço que Shelley teve de pagar por esta “membresia” foi enormíssimo. Ela disse, “Eu vendi o meu coração, mente e feminidade à indústria porno, e a mulher e pessoa em mim morreram na pornografia.”

Shelley também se arriscou a ficar infectada com o vírus da SIDA como aconteceu com outras estrelas porno. Ela disse, “A indústria não obrigava nem ainda obriga o uso do preservativo, por isso o HIV e STD eram e ainda são um risco para os atores e atrizes porno. Em Maio de 2004, cinco atores pornográficos tiveram testes positivos relativamente ao vírus da SIDA. Eu tive mais sorte do que esses atores. Deus não permitiu que eu contraísse o vírus da SIDA. Contudo fui infectada com herpes, uma doença incurável sexualmente transmissível. Fiquei totalmente de rastos e quis pôr termo à minha vida.”

Como resultado, Shelley tomou uma overdose de comprimidos e cortou os pulsos, mas parecia que fizesse ela o que fizesse, não conseguia morrer. Deus tinha um plano para a sua vida, mas a dor era esmagadora e ela estava a ter terríveis variações de humor. Só o álcool e as drogas podiam ajudar a sua dor, disse ela.

Eu clamei a Jesus para que me ajudasse e tentei deixar o meu estilo de vida,” disse ela, “ mas no espaço de uma semana voltei ao ciclo vicioso. Eu perdi toda a esperança e odiava a minha vida. Depois que contraí herpes deixei calmamente a indústria porno mas ainda me prostituía para sobreviver.”

Em 1994 Shelley conheceu Garrett. Ele tinha 22 anos de idade, e Shelley disse que ele era inocente, comparado com ela. “Eu disse-lhe que cobrava dinheiro para namorar,” disse ela. “Ele fingiu necessitar dos meus ‘serviços’ para uma festa de solteiros, por isso dei-lhe o meu cartão. Ele telefonou-me muitas vezes para sair, mas continuei a recusar. Mais tarde, por alguma razão da parte de DEUS, mudei de ideia e tornámo-nos amigos.”

Shelley disse que enquanto ela tentou manter a relação distante foi difícil, porque Garrett fazia com que ela se sentisse de novo uma menina.

“Ele vinha ter comigo e entrávamos em êxtase com anfetaminas, jogando damas e cartas durante horas”, disse ela. “Falávamos da vida e um dia falamos ambos de Jesus. Como crianças, ambos crescemos a amar e a conhecer Jesus Cristo. Para duas pessoas que se encontraram num bar, isto foi uma “coincidência” admirável. Nós sabíamos que fora Deus, por isso reentregamos as nossas vidas a Jesus, e casamos em Fevereiro de 1995.

CAMPEÕES PARA JESUS

Deus conduziu Garrett e Shelley a uma igreja chamada Centro Campeão em Tacoma, Washington, onde Shelley disse que aprenderam a viver uma vida “Campeã”.

“Descobri que havia permanentemente em mim um Campeão,” disse Shelley. “Aprendi que podia vencer tudo, porque com Deus tudo é possível. Com Deus, tive verdadeiro perdão de todos os meus pecados e oportunidade de me transformar numa pessoa completamente nova sem ser perfeita primeiro. Isso foi um alívio! Também aprendi que Deus tinha um propósito para a minha vida. Deus tinha um propósito para a minha vida? Isso era como alguém acender-me a luz.”

Em Novembro de 1999, Shelley deu à luz outra filha, Abigail, e apesar de ter bebido álcool durante parte da gravidez, Deus poupou-lhe a vida.

Após o parto, Deus respondeu finalmente às minhas orações e libertou-me completamente do álcool,” disse Shelley. “No dia 9 de Abril de 2000 foi quando me libertei totalmente, tendo constituído um acontecimento muito importante na minha vida. Comecei a ler livros sobre como ser uma melhor mãe e esposa. Aprendi a cozinhar e a cuidar do meu lar e a viver uma vida ‘normal’. Passei a praticar os princípios de Deus em tudo o que faço, e comecei a experimentar verdadeira alegria pela primeira vez em 13 anos.

Shelley disse que depois que foi naquele primeiro dia ao Centro Campeão abatida e destroçada, oito anos depois ela tornou-se numa mulher totalmente curada e entusiasmada para viver a vida.

Ela disse, “Deus livrou-me completamente das drogas, da dependência do álcool, das más recordações, da doença mental, da dependência sexual, do trauma sexual, e de todo o meu passado.”

Shelley disse que o seu futuro é glorioso. “Deus agora envia-me a proclamar ao mundo a realidade do Seu tremendo amor, dizendo como Ele fez cada um de nós à Sua imagem, e somos completamente amados e aceites por Ele; dizendo como Ele enviou o Seu Filho Jesus para nos libertar das drogas, alcoolismo, dependência sexual, rejeição e todas as mentiras de Satanás.”

Ela acrescentou, “Gosto de mostrar ao mundo que se Deus pode mudar uma estrela porno e uma prostituta numa Campeã, Ele pode mudar qualquer pessoa. Porém Deus só muda as vidas daqueles que O escolheram. Josué 24:15 diz, ‘... escolhei hoje a quem sirvais; ... porém eu e a minha casa serviremos ao SENHOR.’ Esta foi a melhor escolha que fiz.”

* Por Jeremy Reynalds.

Glória ao Senhor Deus pela vida desta mulher!!! Aleluia!!! Exemplos como este nos edificam e renovam nossas forças para perseverar cada vez mais!!!

*Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.* II Tm 4.7

18 agosto 2008

Razão da esperança

Por toda parte, por todos os lados, ouvimos mensagens oferecendo a fórmula do sucesso. Consumo, viagens, prazeres, carreira e muitas outras coisas são oferecidas como passaportes para um projeto de vida agradável e boa. Todos somos incentivados a buscar o sucesso custe o que custar. Se no passado uma roupa valia alguma coisa quando colocada em meu corpo, hoje, se você não estiver com uma roupa de determinada marca, vai sentir-se nu, ainda que vestido. Se o seu carro não for aquele mostrado na glamourosa propaganda de TV, e mesmo se sua TV não for aquele modelo de plasma de 70 polegadas, sinto muito ao dizer isso, mas você não está sendo bem sucedido na vida...

A troca do valor do ser pelo valor de possuir, chamada ontologia, é uma das características desses nossos tempos. O ter é que empresta o valor ao ser, pois o ser já não vale muita coisa – na verdade, o sistema nos coloca como pouco mais que alguns números registrados em nossos documentos. Na crise de identidade que assola a sociedade hoje, procuramos nos apegar em algo concreto, de modo a ter garantia de que de fato existimos. Queremos, simplesmente, ser alguém.

Viktor Frank destacou que a vida não deve ser vivida sob a linha do sucesso-fracasso, mas na busca de um sentido, de uma razão. Ele foi confinado em campos de concentração na Segunda Guerra Mundial e sobreviveu a toda sorte de carências e maus-tratos. Ali, distante de tudo que costuma ser associado à felicidade – família, bens, liberdade –, buscava em Deus a sua razão de viver. Ele não procurava o imperativo da felicidade, mas simplesmente agarrava-se à esperança que lhe vinha do Alto.

Mesmo enfrentando problemas, sofrimentos e dramas, se colocarmos a razão de nossa esperança no Evangelho, poderemos experimentar na prática o que Jesus nos deixou como legado: “Deixo-vos a paz; a minha paz vos dou. Não a dou como o mundo a dá”. Paz, na Bíblia, não é sinônimo de ausência de perturbação, mas serenidade de espírito – ou, noutras palavras, o sentido de vida.

Paulo ainda nos ensinou que, tendo sustento e com que nos cobrir – ou seja, alimento e abrigo –, deveríamos ficar felizes. Esse é o mínimo que devemos esperar de Deus; o restante que temos é mais do que suficiente, é mais do que precisamos. Conte quantos pares de sapatos ou roupas você tem e verá que, provavelmente, possui mais coisas do que precisa. Aí, é só agradecer a Deus, em vez de ficar pedindo cada vez mais.

Lourenço Stelio Regaé teologo, educador e escritor.

10 agosto 2008

Armadilhas hermenêuticas

"Há uma necessidade urgente e gritante de conhecimento mais aprofundado sobre a interpretação da Bíblia!"

A maioria dos mais informados vai concordar que atravessamos um cenário complicado no evangelicalismo brasileiro. Todos sabem que a Igreja cresceu demais nas últimas décadas, mas ela ainda busca amadurecimento. Movimentos mais contextualizados e grupos voltados para a evangelização do país coloriram o cenário nos últimos anos. Todavia, tanta euforia e eferverscência também é sinal de atenção. O fato é que a Igreja nacional precisa achar um ponto de equilíbrio entre quantidade e qualidade. E sem o estudo sério e fundamentado da Palavra de Deus, teremos problemas insolúveis a curto prazo em nossa realidade protestante tupiniquim. Infelizmente, ainda há grupos em nosso contexto de fé que desprezam o preparo teológico; outros são tão estranhos que vivem na fronteira entre as categorias de seita e denominação.

Ninguém pode negar que essa tarefa de consolidação da Igreja brasileira passa necessariamente pela referência máxima da cristandade e dos evangélicos: as Escrituras Sagradas. A compreensão da Bíblia é absolutamente fundamental para que se tenha uma Igreja séria e cristãos espiritualmente saudáveis. Por incrível que pareça, o sinal de que nem tudo vai bem neste cristianismo “tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza” é que há muitos textos lidos e enfatizados em nossa tradição evangélica que são mal compreendidos, gerando inclusive crises e problemas pessoais em muitos cristãos sérios e sinceros.

Muita gente tem sofrido com seus familiares ao ler o conhecidíssimo texto de Atos 16.31: “Crê no Senhor Jesus, e tu e tua casa sereis salvos” (Versão Almeida 21). O problema desse texto é que muitas pessoas pensam que estamos diante de uma promessa divina de que todos os nossos parentes próximos serão salvos mediante a nossa fé. A verdade é que tal trecho não ensina isso! Em primeiro lugar, é importante destacar que, como texto narrativo histórico, o versículo não pretende ser normativo – ou seja, o relato de alguma coisa que acontece não é necessariamente norma para toda a Igreja. Logo, aqui vemos uma promessa que foi dada ao carcereiro de Filipos, e não a todos! Foi dito que ele e “os de sua casa” (NVI) seriam salvos. No caso específico, isso talvez tivesse incluído servos ou empregados, já que a “casa” de alguém nos tempos bíblicos incluía gente que não era da família de sangue do proprietário.

A verdade é que ninguém pode assegurar a conversão de seus parentes com base neste texto. Se esse fosse o caso, nenhum crente veria um parente próximo morrer sem converter-se a Jesus – mas sabemos que isso não se verifica. Além disso, o próprio Senhor deixou claro que muitos cristãos até perderiam suas famílias por causa do Evangelho: “E todo o que tiver deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por minha causa, receberá cem vezes mais e herdará a vida eterna.” (Mt 19.29 – A21). Se aos crentes fosse prometida a conversão de todos os parentes próximos, o texto de Mateus 10.35, 36 também não faria sentido.

Quase que na mesma linha de pensamento, muitos evangélicos, principalmente pais e mães, ficam literalmente desesperados diante de Provérbios 22.6: “Instrui ao menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele” (Almeida Revista e Corrigida). O que geralmente se entende desse versículo é que Deus promete que uma criança levada ao conhecimento do Evangelho desde pequena nunca se desviará da fé. E como ficam os pais de filhos que fizeram justamente o contrário, embora educados segundo a Palavra, apostataram da fé? Em primeiro lugar, é importante lembrar que Provérbios não é um livro de promessas – suas afirmações são “máximas”, ou seja, fatos constatáveis de modo geral na vida. O que o texto diz é que aquilo que uma criança aprende desde pequena não é esquecido, mas a tônica não é exclusivamente religiosa. É de criança, por exemplo, que se aprende a andar de bicicleta, falar outra língua, tocar um instrumento ou mesmo decorar versículos.

A tradução tradicional “deve andar” interpreta o sufixo pronominal genitivo do hebraico indo muito além do literal. Todavia, há outras alternativas de interpretação. “Instruir a criança no caminho” pode significar instruí-la segundo os objetivos que os pais têm para ela” (NVI), instruí-la no caminho devido (ARC, A21) ou mesmo “instruí-la conforme os dons que ela tem”. As interpretações são legítimas e o texto está aberto a mais de um enfoque distinto. No entanto, é bastante seguro afirmar não há promessa ou segurança alguma de salvação para a criança que vai à Escola Dominical, tem pais cristãos e ouve a Bíblia desde pequena, simplesmente porque não é isso o que se trata ali.

Outro texto geralmente mal compreendido é o de Filipenses 4.13 – “Tudo posso naquele que me fortalece”. Certa vez, trafegando pelas áreas nobres da rica cidade de São Paulo, vi um belo carro importado com um adesivo que ostentava orgulhosamente tal verso. Geralmente, quando se lê este texto isoladamente, a maioria das pessoas imagina que se trata de uma promessa de fé: a de que, por meio do poder de Cristo, podemos alcançar tudo que quisermos! Assim, posso adquirir bens caros, derrotar inimigos, alcançar posições de destaque e tudo o mais. Novamente, o texto bíblico não está dizendo isso. Aqui, é preciso entender o contexto. O apóstolo Paulo está escrevendo aos filipenses na ocasião de sua prisão, muito provavelmente em Roma. Portanto, está enfatizando que, por meio de Cristo, podemos suportar toda e qualquer situação adversa. Basta ler o que o apóstolo diz um pouco antes, nos versículos 11 e 12: “Não estou dizendo isso porque esteja necessitado, pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação – seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito ou passando necessidade” (NVI). Por incrível que possa parecer, o texto bíblico significa exatamente o oposto do que muita gente tem sugerido sem analisá-lo adequadamente.

Já encontrei até dois cristãos evangélicos discutindo se devemos ou não mentir em certas situações. Independentemente da discussão sobre a possível legitimidade de uma inverdade ou omissão da verdade em certas situações – como o caso de mentir ou omitir algo para salvar uma vida –, o que estamos discutindo é o uso de textos bíblicos de maneira indevida. O argumento dos debatentes era o de que Abraão, servo do Senhor e chamado na Bíblia de “amigo de Deus”, mentiu em uma situação de necessidade, registrada em Gênesis 12.18-20. A questão aqui não é tão difícil – novamente, cabe frisar que o simples relato de um texto histórico não o define como norma. Muitas passagens das Escrituras nos contam erros e crimes de seus personagens exatamente para enaltecer o poder de Deus na vida de frágeis seres humanos. Muita gente, porém, tenta ver méritos e qualidades especiais em cada detalhe de vida dos heróis bíblicos sem contrastar o comportamento dos mesmos com as normas divinas. Assim, com base nos fatos de que Moisés ficou irado, Jacó enganou Labão, Raabe mentiu em Jericó ou que Davi foi polígamo, há quem tente justificar seus pecados, afirmando que homens e mulheres de Deus do passado fizeram tais coisas e não foram punidos por isso. O equívoco é muito claro.

Tais situações apenas nos mostram a necessidade urgente e gritante de um conhecimento mais aprofundado da hermenêutica, a arte de interpretação da Bíblia. Muitas comunidades cristãs são hoje reféns de doenças hermenêuticas prejudiciais e destruidoras para a fé de seus integrantes. Há grupos perdendo o equilíbrio e caindo no liberalismo teológico da negação do sobrenatural, ou numa filosofia específica. Há tantas distorções – o legalismo, o misticismo desenfreado, o tradicionalismo irrefletido – que somente o estudo da Bíblia no seu próprio contexto, entendendo elementos históricos, literários e teológicos, nos levará a entender ao máximo a intenção original do autor. É preciso ainda destacar os princípios presentes no texto para então comparar o que descobrimos com uma análise teológica mais profunda, a partir de outras passagens que falam dos mesmos princípios. Finalmente, devemos fazer a aplicação do princípio descoberto e teologicamente analisado na realidade do cotidiano.

A verdade é que a seriedade e o valor do texto sagrado para sempre ecoará através da história, especialmente quando ouvimos como o próprio Jesus considerava as Escrituras: “Pois em verdade vos digo: antes que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará uma só letra ou um só traço da Lei, até que tudo se cumpra” (Mateus 5.18 – A21).


Luiz SayãoTeólogo,

hebraísta, escritor e tradutor da Bíblia. É também professor da Faculdade Batista de São Paulo, do Seminário Servo de Cristo e professor visitante do Gordon-Conwell Seminary.