08 março 2009

IGREJA E EVANGELIZAÇÃO - Parte 3

Evangelização e Classes Sociais

Queríamos saber em que países haviam se estabelecido o cristianismo, ao final do século I, e em que classes da sociedade haviam feito adeptos. A resposta a estas duas perguntas só pode ser aproximada, em face da precariedade das informações de nossos documentos.

Eusébio diz que a fé se difunde desde logo “como um rastro de luz” e que os apóstolos se espalham por toda a terra.Surgem igrejas em todas as cidades e em todas as vilas, que ficam cheias de fiéis (...). Pode ser de fato, que em razão das freqüentes relações que uniam a Jerusalém e entre si as comunidades judaicas da diáspora, a fé cristã tenha feito adeptos na maior parte das cidades desde a era apostólica; todavia, não sabes onde se implanta definitivamente. A existência de comunidade é atestada, claramente, na Palestina, na Síria nas províncias de Ásia menos, nas grandes cidades do Mediterrâneo oriental e nalgum ponto da Itália do Sul e de Roma; em outras palavras: no terreno já desbastado pela propaganda judaica. Que importância têm cada um? Qual era o número de fiéis reunidos? Não sabemos.

Podemos, pelo menos, adivinhar em que meios sociais se implantaram imediatamente o cristianismo? De um modo geral, parece evidente que as classes elevadas resistiram durante bom tempo à conquista cristã. Seria difícil a um homem rico e respeitado não somente aceitar a moral de renúncia que lhe impunha a nova fé mas também tomar parte da má reputação que atraía sobre os cristãos e desprezo das pessoas honradas. Todos os preconceitos e todos os interesses se juntavam na alta sociedade contra o cristianismo e é nela onde se encontram as últimas resistências urbanas.

É correto dizer que não se encontram exceções pessoais e que a Igreja do século I não recruta apenas indigente? (...) Desgraçadamente, os nomes que se citam e que se referem à cristocracia não são seguramente os verdadeiros cristãos. Ninguém aceita hoje as supostas relações entre Paulo e Sêneca nem tampouco a conversão de Cláudia Prócula, esposa de Pilatos. A conversão de Sérgio Paulo, em Chipre atribuída pelos Atos a Paulo e Barnabé, tem suscitado dúvidas legítimas. Quando a Epístola aos Filipenses ( 4:22 ) alude a expansão do cristianismo na casa de Mero, há que se interpretar que alguns judeus, numerosos nos escalões inferiores da administração imperial, ou libertos de origem judaica, abraçaram a fé. Talvez até, a amante de Nero, embora não fosse cristã, se inclinasse a sê-la. Nada mais podemos assegurar. Falou-se muito em Pompônio Gracina, mas nada está certo e seu respeito. Tácito diz que uma Pompônia, mulher de grande distinção, casada com Aulo Plautio, personagem de vulto, foi acusada de superstição estrangeira, e levada a um tribunal familiar conforme os velhos usos, mas foi absolvida.Não sabemos de que superstição estrangeira se trata, e por tentadora que seja, a conclusão, de que era cristã permanece hipotética.(...)

É igualmente provável que o cristianismo tenha feito algumas conquistas na casa de Domiciano, de uma família de províncias e isenta dos estreitos preconceitos romanos. (...) Suetôneo relata que Flávio Clemente, primo-irmão do imperador, foi executado por causa de uma suspeita (...) e Xifilino (...) acrescenta que Flávia Domitila, sua esposa, foi executada com Flávio Clemente por crime de ateísmo e que várias pessoas que haviam adotado costumes judaicos foram também condenadas; entre elas outra Domitila foi desterrada para a ilha de Pandataria. (...)

Estes Flávios, porém, foram “mártires” muito indecisos, porque não se encontram neles sintomas característicos da verdadeira fé: horror da religião pagã e abandono total dos deveres e honras da vida civil. O mesmo se pode dizer do proconsul de Glábrio: passa por cristão mas não se nega a lutar contra as feras no antifeatro (...)

(...) “ O Pastor”, de Hermas, nos faz assistir à construção da Torre, que é a Igreja, e nos mostra esses indecisos sob a forma de pedras que caem perto da água e não podem entra nela, porque (...) retrocedem diante da santidade da religião e do abandono de seus desejos. Vejo estes aristocratas, a quem se quer converter em verdadeiros cristãos, como prosélitos judeus inclinados ao cristianismo no momento em que a mudança de uma posição para outra era fácil, mas que permanecer na Igreja, favorecendo os irmãos, e cujos descendentes abraçaram completamente a fé. (... )

Embora admitindo que, da sinagoga, alguns prosélitos judeus de alta posição se hajam simpatizado no século I, eles são, na realidade, raros e apenas se encontram mais em Roma, em função do favor que gozam os judeus, particularmente no círculo dos Flávios. Só no reinado de Cômodo, ao final do século II, aumentará a ascensão social do cristianismo e, antes disso , continua exata a frase de Tertuliano. “Há poucos ricos entre nós”. Não são geralmente os judeus instruídos nem os freqüentadores ricos da Sinagoga que são levados à fé; é entre os pagãos de condição ínfima ou modesta que a igreja da gentilidade formou grupos maiores, Seria preciso esperar que a filosofia grega se ocupasse do cristianismo para que se adaptasse às necessidades das classes elevadas.

(...) Mas o sinal aberto: o cristianismo, livre do legalismo judaico, universalidade, dinâmico, pode ser pregado ao espírito, aos desejos e as tendências do mundo grego e encontrar nele a substância de sua carne e de sua vida. O começo do século II assinala a manhã da verdadeira igreja cristã.

Charles Guignebert. Manual de História antiga del cristianismo. Buenos Aires, Albatros, 1973. pp. 410-415.