04 novembro 2007

Os justos e a cidade

“Aí o Senhor disse a Abraão: ‘Há terríveis acusações contra Sodoma e Gomorra, e o pecado dos seus moradores é muito grave’. Abraão disse: ‘Não fiques zangado, Senhor, pois esta é a última vez que vou falar. E se houver ali só dez pessoas direitas?’ ‘Por causa desses dez, não destruirei a cidade’, Deus respondeu.” A história está narrada no capítulo 18 do livro de Gênesis. Estava decidido: se constatasse que, de fato, as cidades de Sodoma e Gomorra eram pura corrupção em todos os sentidos, como parecia, Deus não pensaria duas vezes e as destruiria. Não era possível ao Senhor ver na terra que ele havia criado um povo tão cheio de malícia, mentira e perversidade. Era preciso colocar um ponto final naquela situação, que era uma agressão constante à santidade de Deus. E quem conhecia a região, como Abraão, sabia que dificilmente aquelas duas cidades teriam qualquer chance de escapar da fúria divina. Ele sofria só de pensar na destruição daqueles povos, mas não tinha jeito. Ou tinha?Talvez, sim. Abraão lembrou-se de um dos atributos que Deus mais prezava: a justiça. Se por amor a essa justiça, o Senhor estava próximo de acabar com Sodoma e Gomorra, era possível que o mesmo zelo divino fosse a salvação para aquelas cidades. Então, o patriarca do povo hebreu começa a interpelar Deus. Com uma ousadia que beirava o abuso, desafiava os limites do Senhor – será que as vidas de cinqüenta pessoas retas de coração não valeriam mais do que a dos milhares de corruptos? Ou quarenta? Trinta? Ou mesmo dez? A cada interpelação de Abraão, Deus respondia com uma afirmação de sua misericórdia e seu amor, sempre disposto a oferecer alguma chance para o ser humano reencontrar a dignidade com a qual fora criado, e de que abrira mão.Há dois aspectos dessa passagem que merecem reflexão. O primeiro deles tem a ver com a atitude divina diante de um cenário de degradação de valores e princípios: por mais caótico que fosse o estado espiritual e ético da população de Sodoma e Gomorra, os retos de coração – mesmo que fossem uma minoria – seriam a referência de Deus. Ao garantir a Abraão que não destruiria aquelas cidades se encontrasse, pelo menos, dez pessoas justas, o Senhor estava dizendo: “Minha decisão não será tomada em função dos corruptos. As ações deles me enojam, e serão condenados por elas, seja aqui ou no dia do grande Julgamento. Mas aqueles que praticam atos de justiça em meio à corrupção estão sendo agentes de meu Reino. Para mim, este é um motivo mais do que suficiente para poupar uma cidade inteira.”Em segundo lugar, Deus revelou, em seu rápido diálogo com seu servo Abraão, ser mais otimista em relação a este mundo do que nós mesmos somos. É possível que Abraão não esperasse que o Senhor fosse tão longe – talvez parasse nas quarenta ou nas trinta pessoas direitas. Dali para a frente, seria só condenação. No entanto, Deus foi ultrapassando os limites de Abraão, que parou nos dez justos muito provavelmente porque, para seu senso humano e incompleto de justiça, esta era uma quantidade razoável, a partir da qual seria mais do que natural ver a ira divina cair sobre aqueles povos.No entanto, o Senhor estava declarando sua confiança na supremacia da justiça sobre a corrupção e o pecado. Sob a ótica celestial, a presença de cinqüenta, quarenta ou mesmo dez pessoas comprometidas com os valores do Reino já seria suficiente para transformar aquelas cidades e resgatar a dignidade original das pessoas que viviam nelas. A maldade pode contagiar um povo e levar milhões de pessoas à ruína – mas o amor e a justiça de Deus são capazes de produzir uma revolução quando sinalizados nas vidas daqueles que o temem e servem, mesmo que sejam poucos. Mesmo que seja um.Prova disto é Nínive, uma cidade próspera, com mais de 120 mil habitantes – uma metrópole para a época em que viveu o profeta Jonas. Sendo ex-capital da Assíria e um grande centro de comércio, localizado à margem do Rio Tigre e no meio do caminho entre o Oriente e o Ocidente (portanto, politicamente influente), caiu em dois erros fatais: tolerou todo tipo de corrupção e desprezou o princípio divino da justiça. Também estava condenada a se transformar em cinzas, tal como Sodoma e Gomorra. Nem mesmo havia ali cinqüenta, trinta ou dez justos cuja presença fosse capaz de poupá-la. Mas bastou que um homem de coração reto começasse a denunciar os pecados da cidade, e logo toda a população – inclusive o rei – se arrependeu amargamente de sua malícia.A revolução que mudou o destino daquelas 120 mil pessoas corruptas começou com apenas uma, e foi possível porque Jonas não transigiu. Sua mensagem era dura, difícil de ser assimilada por quem estava acomodado com o pecado, mas era exatamente o que o povo precisava ouvir. Você acha que a cidade em que você mora (Rio, São Paulo, Brasília, Vitória, interior) é um depositório de corrupção, violência, mentira, prostituição e perversidade? Acredita que ela mereça um juízo tão rigoroso quanto o de Gomorra e Sodoma? O que você faria, se tivesse o mesmo poder de Deus e visse um traficante esquartejando um jornalista com uma espada de samurai; ou um político aceitando “caixinha” para fazer vista grossa a um esquema de corrupção; ou um policial negociando drogas com alguém que vai vendê-las na porta de uma escola?Pela sua graça, manifestada em Jesus Cristo, Deus fez uma opção: a de usar seus filhos para sinalizar os valores do Reino e resgatar a dignidade. Mas isso só é possível quando estes com os quais ele conta possuem um compromisso autêntico com a justiça do Senhor e não se omitem. Mesmo que sejam em minoria, são capazes de fazer uma revolução de proporções incalculáveis. Se ver sua cidade se degradar até a destruição incomoda, lembre-se de que você é a referência de Deus no meio do povo.


Carlos Alberto Bezerra Jré médico e pastor da Comunidade da Graça.
Obs.: Tenho postado artigos de alguns irmãos aqui em meu blog, devido ao pouco tempo que estou encontrando para escrever. No mais agradeço pelos comentários e pela atenção de todos que aqui meditam. Que nosso Deus e Salvador Jesus Cristo abençoe a todos nós.Amém.