A Desaprovação Cristã à Ambição Política
Há algumas figuras no ensino cristão primitivo que provocaram às mentes pagãs suspeito de ambição política de tipo perigoso; consequentemente, tornou-se preocupação dos escritores cristãos minimizar estas suspeições pela negativa do caráter político do ensino em questão. Referimos-nos às concepções da realeza de Jesus e o Reino de Deus. A descendência davídica de Jesus de Nazaré foi frequentemente lembrada nos escritos cristãos deste tempo e as narrativas de sua vida em particular continham numerosas alusões à sua realeza messiânica. Ademais, a concepção do Reino de Deus ou Reino dos Céus era um tema importante e mesmo central na mensagem cristã. Não era possível para os mestres cristãos renunciar à crença de que a soberania de seu Senhor era destinada no mundo futuro a sobrepujar todas as soberanias políticas do mundo. O Apocalipse expressa a doutrina cristã muito firmemente. (...) O livro fala de Jesus como o “Rei dos reis da terra” (Ap 1:5) e antevê o tempo quando “o reino do mundo passará a ser de nosso Senhor e do Seu Cristo, e, Ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap 11:15). A perspectiva do cristão comum supunha que o retorno triunfal de Cristo envolvia uma crença na queda do Império e o castigo dos perseguidores (...). A derrubada dos príncipes dos seus tronos tornou-se item essencial no programa apocalíptico. O autor do Apocalipse estava, assim, simplesmente elaborando uma crença cristã geralmente aceita quando desenhou em detalhes claros e nítidos a queda próxima de Roma e os conflitos e massacres tremendos dos reis da terra e seus exércitos. (Ap 16:10-21, 17:12-18, 18, 19:11-21).
Era, então, natural que os cristãos fossem suspeitos de serem revolucionários políticos. Os Evangelhos contam como os acontecimentos que precederam a morte de Jesus se apoiaram nos relatos deturpados de suas reivindicações de título real. Lucas conta como os apóstolos foram suspeitos pelos governantes judeus de tentar levantar uma revolta popular para vingar a morte do seu Senhor (At 5:28) e como Paulo e seus amigos foram acusados de ter agido contrariamente aos decretos de César, dizendo que havia outro rei, ou seja, Jesus. Domiciano, ao saber que os descendentes do rei Davi ainda estavam vivos, “temeu”, diz Hegésipo, “a vinda de Cristo” e indagou do avô de Judas, o irmão do Senhor, acerca da sua descendência davídica e acerca de Cristo e Seu Reino.
Os cristãos estiveram, portanto, empenhados em assegurar às autoridades pagãs que sua palavra acerca da soberania de Cristo e o Reino de Deus não significam nenhum conflito de ordem política com o governo. O neto de Judas disse ao Imperador que o Reino de Cristo “Não era terreno, mas celestial e angélico e se consumaria no final dos tempos”. Os Evangelhos apresentam Pilatos como incapaz de encontrar qualquer falha em Jesus Cristo. O quarto Evangelho descreve Jesus de Nazaré da Galiléia como se recusando a ser feito rei pelos galileus (Jo 6:15) e como tendo dito a Pilatos em seu julgamento: “Meu Reino não é este mundo; se o meu Reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; entretanto o meu Reino não é daqui” (Jo 18:36). Lucas está especialmente preocupado em tornar clara a ingenuidade política dos cristãos. Ele narra como Jesus Ressuscitado ignorou a pergunta dos discípulos sobre a restauração de Israel (At 1:6). Ele apresenta uniformemente as perseguições como produto do ódio judaico ou desagrado popular: os oficias romanos, ao contrário, são habitualmente favoráveis aos cristãos.
É provável que estas desaprovações da ambição política exercessem algum efeito na minimização da severidade da atitude governamental, a despeito do fato de que durante este período a doutrina oficial da ilegalidade do cristianismo parece ter se afirmado. O neto de Judas, se podemos confiar em Hegésipo, conseguiu convencer Domiciano de que não havia motivo para persegui-los. O Imperador (conta-se) desdenhou, mas ordenou que a perseguição à Igreja cessasse.
*Cecil Cadoux. The carly church and the world. Edinburgh, T. T. Clark, 1955. pp. 176-178.